Marmanjo de rodinhas?
03/11/2017
A iniciação da criançada no mundo das bikes
Não me recordo de ter visto nenhum marmanjo com rodinhas por aí. Em outras palavras, cedo ou tarde os pequenos irão aposentar as muletas das bikes infantis. E, acreditem, o farão quase que naturalmente. Ora, se o que resta saber então é quando as deixarão de lado, vou logo adiantando: é impossível saber ao certo em que momento isso acontecerá.
A psicomotricidade sustenta que a grande maioria das crianças já reúne amparo neuromotor razoável para eliminar as rodinhas entre os 5 e os 7 anos de idade. Algumas um pouco antes, outras mais tarde – dependendo do quão sejam estimuladas para esta tarefa.
Um método alternativo
Uma recente linha de pensamento, no entanto, considera que as rodinhas não sejam a melhor maneira de se iniciar este processo. Acredita-se que elas atrasam o aperfeiçoamento de uma das capacidades físicas envolvidas neste gesto esportivo: o equilíbrio – justamente num momento propício a desenvolvê-lo.
Daí vem a concepção do método orgânico, através do qual prega-se a retirada do conjunto de pés-de-vela e pedais, transformando a tradicional bicicleta em um patinete adaptado. Rebaixa-se ainda o assento para que o pimpolho consiga apoiar os pés no chão.
A partir deste protótipo, o deslocamento acontece por meio de passadas. Obviamente, sem a presença das rodinhas, o apoio dos membros inferiores passa a ser o único recurso para manter criança e bicicleta em pé. Com isso, o novo arranjo condiciona o praticante a desenvolver primeiramente o equilíbrio, visto que entre uma passada e outra, o suave balanço lateral servirá de estímulo ao desenvolvimento desta capacidade.
O “clique” finalmente acontece quando as passadas deixam de ser alternadas, e passam a ser simultâneas. A fração de segundo na qual se observa ausência de contato de ambos os pés com o solo, desperta as últimas estruturas proprioceptivas que faltavam para que o ciclista-mirim conclua inconscientemente: “Opa: o controle do tronco, associado ao movimento constante, me permite o deslocamento em 2 rodas”.
A defesa do método “Old School”
E já que o assunto é equilíbrio, nada mais justo do que contemplarmos o outro lado da moeda. E a premissa é simples: pedalar sobre uma bicicleta não se resume apenas à capacidade de se equilibrar.
A criança precisa desenvolver força para tracionar os pedais. Além disso, tem que coordenar a aplicação dessa força de forma alternada. Acrescente também a resistência, para que o movimento se perpetue. Vejamos então: equilíbrio, força, coordenação e resistência. A bagagem necessária para sair por aí pedalando com certa autonomia e segurança envolve, pelo menos, 4 capacidades físicas. E o interessante é que, na ausência dos pedais, as 3 últimas também tardam a se desenvolver.
E agora?
Pois é. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. É por aí que definiria uma resposta aos que me perguntassem qual dos métodos é o melhor. Sumir com os pedais, prioriza o desenvolvimento do equilíbrio em detrimento das demais capacidades. Mantê-los com a ajuda das rodinhas, traz foco ao desenvolvimento da força, coordenação e resistência, deixando o equilíbrio em segundo plano.
A verdade é que um passeio de bicicleta agradável depende do “conjunto da obra”. Quantas magrelas estão largadas na garagem há meses, seja lá qual for o método que introduziu seus proprietários no mundo das 2 rodas? Olhando lá na frente, há diferença significativa entre o prodígio que já arrepiava com 4 anos e a menina que ainda tinha dificuldades depois dos 8? Entendo que não. Garanto que se ambos tomarem gosto pela bike, poderão dar um belo rolê juntos aos 16 – sem rodinhas, é claro!
Felipe é professor de educação física e prefere ir de bike.
Pai de dois meninos, tem vivenciado os desafios da criançada sobre duas rodas.